Após discutirmos sobre o Processo de trabalho em Saúde, vamos nos atentar para as valises tecnológicas. E o que seriam elas? De forma simplificada, podemos defini-las como os meios pelos quais o profissional utiliza-se para executar seu trabalho. Podem ser divididas em:
- Tecnologias Duras: relacionam-se a utilização de equipamentos, como estetoscópio.
- Tecnologias Leve-Duras: relacionam-se aos saberes do profissional, construídos com base na clínica e epidemiologia.
- Tecnologias Leves: relacionam-se a construção de um espaço relacional no atendimento médico-paciente.
Essas valises apresentam-se em coexistência, sendo que pode haver predomínio de uma sobre a outra. Por exemplo, quando há predomínio da tecnologia dura, temos uma prestação de serviço voltada a fazer diagnósticos/procedimentos. Por outro lado, quando há predomínio da tecnologia leve, a relação subjetiva entra em foco, propiciando a valorização da relação médico-paciente. Essas prioridades são definidas não somente pela escolha do profissional, mas também são influenciadas por diversos fatores externos, como pelo modelo econômico vigente e pelas demandas sociopolíticas.
Considerando o exposto e levando em conta os aprendizados nas aulas práticas, observa-se uma coexistência das valises muito marcante. Entretanto, existem grandes desafios para o desenvolvimento da terceira valise no ambiente de trabalho.
O movimento para a valorização da relação médico-paciente no processo de trabalho segue uma demanda desenvolvida por vários agentes sociais, permitindo a criação de um campo favorável para sua realização. Um exemplo é o aumento significativo de publicações referentes ao tema, bem como a inserção de matérias na grade curricular acadêmica que abordam a importância da comunicação e criação de vínculo com o paciente.
Todavia, na prática, observa-se que esse enfoque de processo de trabalho coexiste a um sistema de saúde lotado e sem muitos recursos. Assim, para conseguir atender a todos o médico precisa fazer consultas rápidas, insuficientes para o desenvolvimento de um espaço relacional consistente. A rotatividade dos profissionais também colabora para a insuficiência da terceira valise. Isso porque o mercado de trabalho é muito amplo e as Unidades de Atenção Básica costumam não ser atrativas financeiramente ao profissional. Nesse contexto de relações superficiais, além de outros problemas estruturais e orçamentário, a população alimenta um sentimento de descrença quanto ao serviço.
Dessa forma, como possíveis soluções para resolver os problemas citados, seria interessante ter um equilíbrio do uso das valises. Para isso ocorrer, é preciso eliminar os entraves para a utilização da terceira valise, atuando na valorização do trabalho na Atenção Básica, a fim de diminuir a rotatividade. Não apenas, é preciso estruturar as unidades de todos os níveis, ofertando recursos suficientes para a prestação de um atendimento adequado e desvincular número de consulta com aumento salarial. Ademais, o enfoque em planos de gestão são extremamente importantes, pois observa-se, de modo geral, uma sobreposição de cargos pelos profissionais nas unidades de saúde, fato que interfere na eficiência dos serviços prestados. Assim, um plano de gestão estruturado permitiria maximizar o processo de trabalho ao construir soluções aos obstáculos enfrentados pela Unidade.
Espero que tenham gostado e até a próxima!
Referência: MERHY, Emerson Elias. Um ensaio sobre o médico e suas valises tecnológicas: contribuições para compreender as reestruturações produtivas do setor saúde. Interface-comunicação, saúde, educação, v.4, n.6, p.109-116, 2000.
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